dezembro 14, 2010

LEMBRANÇAS INFANTIS

O céu de repente escureceu.
antes
nuvem enorme
cogumelo
brilhou bonita
e límpida
agora escuridão
e relâmpagos
Antes a beleza
agora a feiúra


Na memória
a imagem límpida



A primeira lembrança, o recém nascido deitado na cama dos pais a espera de carinho. Outras: maçã raspada, a fuga de velocípede, a dor da operação de garganta, o uniforme do jardim de infância, a menininha nua...























Nos passos engatinhados
o aprendizado
No primeiro tombo
a dor
Ao ficar de pé
a primeira grandeza
No abandono do peito
a independência
Do espanto da infância
à curiosidade da juventude
as descobertas
As alegrias, as dores
Os amores, desamores
a chegada da razão
desesperança
Do saber ao conhecimento
vivência
a maturidade
e passada a fronteira do crescimento
estabilidade
vida a ser vivida
o recomeçar

dezembro 05, 2010

DESPERTAR DE NARCISO

Alexandre resmunga e recosta-se nos almofadões. Pietro o examina: - O que estará pensando? Tudo foi um sonho?

A companhia toca. Ajeitam-se surpresos. Pietro, contrariado, vai até a porta. Observa pelo olho mágico. Abre. É Li Kyô.

- Bom dia! Os dois fujões! Jane ficou furiosa. Não queria fechar o Anjo Negro sem vocês. Fui forçada a acompanhá-la até em casa. Está inconsolável. Não sei como você vai sair dessa, Alexandre.

O trio se completara. Li Kyô, a companhia feminina fiel. Cativava pelo seu dengo e inteligência. Prestimosa quebrava os galhos das aventuras dos dois. Era a testemunha e álibi das mentiras e desculpas das desgarradas de Alexandre. Entretia os bate-papos com as novidades do dia que ouvia na redação do jornal. Poetisa, entendia as divagações de Alexandre e o apoiava. Com sabedoria oriental apaziguava as discussões de mesa de bar. Os olhos amendoados inspiravam paixões. Do balcão. Jane observava o crescimento desta amizade. Temia perder Alexandre. Calejada da vida, acautelava-se para as dores do rompimento que prenunciava.

Alexandre embevecia-se com Li Kyô, uma boneca de seda. As covinhas do rosto bailavam quando sorria e falava, numa voz macia e sonora. Pietro, enciumado pilheriava com o envolvimento dos dois. Começaram com trocas de poesias, almoços, visitas a galerias de artes e museus. Li até conseguiu arrastar Alexandre ao teatro. Passou a conhecer uma nova vida em São Paulo de artes e encanto. Um descanso para a luxúria com Jane e o desperdício das noites ébrias e não dormidas, com Pietro.

- E meus vôos? Minha liberdade?

- Utopia. Ser livre. Livre de desejos, de vontades, de paixões, de condições e de relações. Restaria o mais cinzento dos vácuos. A não ser para um espírito perfeitamente sublimado. Você não é somente um espírito, mas também um homem e o homem só vive quando em estado de angústia.

Vou sentir saudades suas. Não sei como viverá lá no Rio. Se existirá algo entre nós.

- Pietro, você é um amigo para sempre. Me modificou. Um novo ângulo que não sei entender bem. E o que conservaríamos de nossa amizade?

- Como adivinhar o futuro?

- Você está certo. Eu errado? Quem sabe? Falo em liberdade, e me amarro. Não sei mais o que dizer.

- Vamos ao João Sebastian bar, e acabaremos com esta falação inútil.

Li Kyô aguarda ansiosa. Alexandre fita o teto, pensativo.

- Gostaria de ver o que os seus olhos procuram.

- Nada, estava ouvindo você. Sua voz é tão doce, Li, calmante.

- Rezarei uma prece para você dormir.

Alexandre vira-se. Acaricia seus cabelos. Passa os dedos levemente pela testa, olhos e boca, num carinhoso reconhecimento. Beija seu ouvido cochichando: eu te amo.

De madrugada, Alexandre acorda. Li ressonava. Levanta-se com cautela. De pé, junto à cabeceira, admira a mulher, o corpo da brancura de porcelana. Diz baixinho: - Adeus, meu amor!

Caminha até o banheiro. Lava as mãos e o rosto. Enxugando-se vê a figura estampada no espelho: Quem é você?

Não há resposta. Examina-se durante algum tempo. O espelho reflete apenas sua imagem.

- Ela adivinhou tudo. Vou embora. Voltarei para o Rio.