maio 15, 2014

“AFFAIRE”

Capítulo I

     A sirene de uma veloz ambulância cortava os ares. Os passantes, já atordoados por tanto barulho, mal se viravam para uma rápida olhadela. Um veículo novo, recém-saído da fábrica, tentava varar o tráfego congestionado. Àquela hora da tarde o trânsito era insuportável, transformando num verdadeiro inferno as avenidas. Uma multidão apressada largava seus empregos e todos queriam ir ao mesmo tempo para casa. Os coletivos atulhavam-se de gente. As buzinas ecoavam estridentes. Os guardas apitavam ininterruptamente, gesticulando nervosamente numa vã tentativa de melhorar a circulação dos carros. Viam-se rostos contraídos, outros apáticos, e alguns até sorridentes. Talvez a esperança de um programa noturno alentasse o espírito destes.


     A noite caía lentamente. As luzes começavam a acender. Os luminosos piscavam feéricos. Era ainda intenso o vai-e-vem de gentes nas movimentadas calçadas e boulevards parisienses.
  Do avarandado de seu apartamento, Edward Machon olhava o Sena que deslizava manso, antegozava a felicidade que usufruiria dali a instantes. Cantarolava “Hymne à l’amour. Às sete horas em ponto encontraria com Elizabeth para um romântico jantar a dois. Ele não completara ainda quarenta anos, gozava de boa saúde e conservava ágil o corpo atlético. Assim preparado fisicamente podia se entregar aos prazeres mundanos que a grande cidade lhe propiciava. O seu cargo no Ministério Público lhe permitia um padrão de vida elevado. Edward era um “bon vivant” E amava  Paris, suas mulheres, a existência trepidante.
     Atraído pela estridência de uma sirene, viu quando a ambulância passava célere lá na avenida. Teve um mau presságio. Um arrepio lhe correu a espinha. Tentando isolar os ruídos vindos de fora, fechou a janela de vidro. No reflexo da vidraça viu seu rosto estampado. Assustou-se.
      A campainha soou. O coração disparou com o susto do inesperado toque. Visitas àquela hora? Esforçou-se por manter-se imóvel, procurou não fazer mais nenhum ruído. Tocaram de novo insistentemente.
       Aborrecido, foi até a porta. Mal teve tempo de abrí-la.
       - Oh, Ed, temia não encontrá-lo em casa. Deixe-me entrar.
       - Claro... mas o que houve? Você está lívida, com o rosto tão branco...
       - Edward, aconteceu uma tragédia..



       A Place Vendôme fervilhava. No meio da multidão anônima uma jovem afligia-se. Anoitecia e as luzes brilhavam. As vitrines iluminadas ostentavam sedutoras mercadorias. Algumas lojas começavam os preparativos para fechar. Os risos, as conversas alegres e os anúncios luminosos não animavam Elizabeth. Estava ali há algum tempo.
    - Vinte minutos! Ele está atrasado vinte minutos – e não acreditava que aquilo pudesse estar acontecendo, ele não pode fazer isto comigo impunemente. Afinal, sou bem bonita e vários homens já mexeram comigo. Não posso suportar esta espera.
           Ia atravessar a rua quando sentiu um puxão no braço. Virou-se para protestar, mas deu com o rosto amável de Edward.
          - Desculpe-me, Elizabeth. Esperou muito?
          - Sim, Edward. Já tinha desistido.
           Os dois tomaram um taxi novamente em paz e amorosos. No caminho Edward conversava tentando afastar do pensamento a visita que recebera. Estragou todo o seu programa. Agora não ia poder convidar Elizabeth para subir ao seu apartamento.





CAPITULO II

     A ambulância subiu a rampa de acesso na direção da porta da bela mansão. Uma residência confortável, construída em estilo sóbrio. Era cercada de jardins e árvores frondosas, como todas as casas daquele bairro sofisticado de Paris. O chofer assobiou de admiração. O enfermeiro logo saltou pegando a maca, enquanto o médico se preparava. Um homem vestido de libré veio atendê-los.
    Ao entrarem numa porta no fundo do corredor logo depararam com um corpo estendido no chão. O médico ajoelhou-se junto ao homem. O exame foi breve: apenas tomou o pulso e auscultou o pretenso paciente. Balançou a cabeça. Levantou a camisa que encobria o peito da vitima: orifícios negros apareceram, pequenos, mas mortais. Dois pontos na carne robusta.
       - Doutor, há esperança? – perguntou o mordomo.
        - Não!

CAPÍTULO III
      
Os “flashes” espoucavam. Nada adiantaram as ordens do Inspetor Genet. Os repórteres invadiam a mansão por todos os lados. O crime ocorrido era um ótimo prato para os jornais. Aparentemente envolvia grandes figuras da sociedade. A vítima era pessoa de confiança de dois artistas do cinema francês.

No dia seguinte os jornais estampavam em manchetes garrafais: “ESPOSA DE EX-MINISTRO ENVOLVIDA NO CRIME DA MANSÃO DOS FONTAIN”.



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