Capítulo
I
A sirene de uma veloz
ambulância cortava os ares. Os passantes, já atordoados por tanto barulho, mal
se viravam para uma rápida olhadela. Um veículo novo, recém-saído da fábrica,
tentava varar o tráfego congestionado. Àquela hora da tarde o trânsito era
insuportável, transformando num verdadeiro inferno as avenidas. Uma multidão
apressada largava seus empregos e todos queriam ir ao mesmo tempo para casa. Os
coletivos atulhavam-se de gente. As buzinas ecoavam estridentes. Os guardas
apitavam ininterruptamente, gesticulando nervosamente numa vã tentativa de
melhorar a circulação dos carros. Viam-se rostos contraídos, outros
apáticos, e alguns até sorridentes. Talvez a esperança de um programa noturno
alentasse o espírito destes.
A noite caía lentamente. As
luzes começavam a acender. Os luminosos piscavam feéricos. Era ainda
intenso o vai-e-vem de gentes nas movimentadas calçadas e boulevards
parisienses.
Do
avarandado de seu apartamento, Edward Machon olhava o Sena que deslizava
manso, antegozava a felicidade que usufruiria dali a instantes. Cantarolava
“Hymne à l’amour. Às sete horas em ponto encontraria com Elizabeth para um
romântico jantar a dois. Ele não completara ainda quarenta anos, gozava de boa
saúde e conservava ágil o corpo atlético. Assim preparado fisicamente podia se
entregar aos prazeres mundanos que a grande cidade lhe propiciava. O
seu cargo no Ministério Público lhe permitia um padrão de vida elevado. Edward
era um “bon vivant” E amava Paris, suas mulheres,
a existência trepidante.
Atraído pela estridência de
uma sirene, viu quando a ambulância passava célere lá na avenida. Teve um mau
presságio. Um arrepio lhe correu a espinha. Tentando isolar os ruídos vindos de
fora, fechou a janela de vidro. No reflexo da vidraça viu seu rosto estampado.
Assustou-se.
A campainha soou. O coração
disparou com o susto do inesperado toque. Visitas àquela hora? Esforçou-se por manter-se imóvel, procurou não fazer mais nenhum ruído. Tocaram de novo insistentemente.
Aborrecido, foi até a porta.
Mal teve tempo de abrí-la.
- Oh, Ed, temia não
encontrá-lo em casa. Deixe-me entrar.
- Claro... mas o que houve?
Você está lívida, com o rosto tão branco...
- Edward, aconteceu uma tragédia..
A Place Vendôme
fervilhava. No meio da multidão anônima uma jovem afligia-se. Anoitecia e as
luzes brilhavam. As vitrines iluminadas ostentavam sedutoras mercadorias.
Algumas lojas começavam os preparativos para fechar. Os risos, as conversas
alegres e os anúncios luminosos não animavam Elizabeth. Estava ali há algum
tempo.
- Vinte minutos! Ele
está atrasado vinte minutos – e não acreditava que aquilo pudesse estar acontecendo,
ele não pode fazer isto comigo impunemente. Afinal, sou bem bonita e vários
homens já mexeram comigo. Não posso suportar esta espera.
Ia atravessar a
rua quando sentiu um puxão no braço. Virou-se para protestar, mas deu com o
rosto amável de Edward.
- Desculpe-me, Elizabeth. Esperou
muito?
- Sim, Edward. Já tinha
desistido.
Os dois tomaram um taxi
novamente em paz e amorosos. No caminho Edward conversava tentando afastar do
pensamento a visita que recebera. Estragou todo o seu programa. Agora não ia
poder convidar Elizabeth para subir ao seu apartamento.
CAPITULO II
A ambulância subiu a rampa de
acesso na direção da porta da bela mansão. Uma residência confortável,
construída em estilo sóbrio. Era cercada de jardins e árvores frondosas, como
todas as casas daquele bairro sofisticado de Paris. O chofer assobiou de
admiração. O enfermeiro logo saltou pegando a maca, enquanto o médico se
preparava. Um homem vestido de libré veio atendê-los.
Ao entrarem numa porta no
fundo do corredor logo depararam com um corpo estendido no chão. O médico
ajoelhou-se junto ao homem. O exame foi breve: apenas tomou o pulso e auscultou
o pretenso paciente. Balançou a cabeça. Levantou a camisa que
encobria o peito da vitima: orifícios negros apareceram, pequenos, mas mortais.
Dois pontos na carne robusta.
- Doutor, há esperança? –
perguntou o mordomo.
- Não!
CAPÍTULO III
Os
“flashes” espoucavam. Nada adiantaram as ordens do Inspetor Genet. Os
repórteres invadiam a mansão por todos os lados. O crime ocorrido era um ótimo
prato para os jornais. Aparentemente envolvia grandes figuras da sociedade. A
vítima era pessoa de confiança de dois artistas do cinema francês.
No
dia seguinte os jornais estampavam em manchetes garrafais: “ESPOSA DE
EX-MINISTRO ENVOLVIDA NO CRIME DA MANSÃO DOS FONTAIN”.
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