agosto 27, 2015

NOVA CONVERSA


A origem nas cavernas com os símbolos?

A palavra falada, a palavra escrita, a palavra eletrônica.

E a palavra futura?

A volta ás cavernas.

O Corpo Humano - cérebro.










agosto 19, 2015

SOL

ZAIRA –Só podia ser uma lembrança infantil! Quanta antiguidade. Zaira com H me faz sentir uma velha.

RICARDO – Uma tia de quem eu gostava muito, e que virou uma devoção.

ZAIRA – Uma santa?

RICARDO – (enquanto fala aproxima-se do micro e procura um DVD) nada disto, apenas uma pessoa, uma pessoa fantástica. Tia Zahira; com H. eu vivia cercado por tias. Tias de todos os tipos. Tias mãe, tias pai e tias tia. E Zahira era uma delas, tipo pai. Sizuda. A carranca era uma máscara de defesa. Pouco se abria. Não revelava seus segredos, suas dores e mesmo suas alegrias. Mas era de uma sensibilidade incrível. Sem alarde ajudava os colegas de trabalho, os familiares. Com os sobrinhos então não media esforços. Estendia suas asas protetoras. Acalentando, amparando nas quedas. Eu era o seu xodó. Encobria minha travessuras. Atrás daquela aparente frieza se escondia uma alma carinhosa. Pronta para auxiliar os irmãos ao menor sinal (coloca o DVD, TV/Telão  exibe cenas de carnaval; blocos etc).

ZAIRA – Não disse?! Era uma santa. Um anjo caído do céu.

RICARDO – Não, não! Era gente, de carne e osso. Como você. Acredite, era uma foliona. Gostava de carnaval. Curtia um bloco de sujo...


maio 11, 2015

A PONTE


               A tarde transcorria normalmente, nada perturbando aquela letargia de um dia nublado e quente. Desde cedo a cidade estava coberta por uma neblina mortiça. O dia cinza altera um pouco a mente e os nervos. Ficamos como que anestesiados, lânguidos e ansiosos por uma fuga. Neste estado de espírito Ricardo caminha para a Praça XV. Divagava entre as pilastras do elevado e distraidamente olha para a base das pistas. O concreto impressiona, e cabreiro questiona a sua segurança.
Indeciso atravessa a pista em direção à estação das Barcas. Olha os letreiros: Niterói, Paquetá, Governador.
- Governador, não! Já não há barcas para lá. A ponte terminou com as barcas!
Sonolento, com uma preguiça enorme dirige-se ao guichê e paga uma passagem para Niterói. Talvez a brisa marinha melhorasse o seu ânimo. Entra no saguão, cheio. Pessoas alheias, suadas, e senhores circunspectos. Militares de todas as armas. Moças risonhas e as contempla para se distrair, fazendo o jogo das adivinhações. Crianças querendo pipoca, homens encarando mulheres solitárias, ansiosas esperando o tempo passar, enfim uma multidão sem comunicação.
Bulício. Chega a barca das grandes e novas. Os alto-falantes gritam a chamada. Esprimidos como uma boiada junto à cerca, passam milhares de passageiros como que perseguidos por um monstro marinho, doidos para fugirem. O mar balança suavemente a “Vital Brazil”, que carinhosamente se entrechoca com o cais. Os marinheiros pretendem segurá-la com grossas cordas. E a barca apita risonha.
Abrem-se as porteiras e aos trambolhões Ricardo é arrastado. Sente-se como num grande rio, uma enxurrada que desce vertiginosamente a rampa. Jogado na barca, célere sobe as escadas para pegar um lugar na proa, ao vento. A metamorfose, e excitação da travessia. Ansioso, participa da movimentação da desatracação. Apito longo. Um uivo soturno.
Lá vai ela se afastando, girando sobre si mesma, virando de lado, mudando de rumo. Agora estão de frente para Niterói, afrontando a brisa. Altaneiro. O barulho dos motores, o som das marolas, o pio dos pássaros que passam sobrevoando a embarcação, enchem o ar de estranha sinfonia. Um avião se aproxima e, maravilhado, observa seu pouso de garça no Santos Dumont. Nota que cada vez mais se afastam do Rio, e vai para amurada lateral. Olha para trás, para contemplar a cidade que se distancia, os edifícios, os Ministérios, sob a neblina de mormaço que acalenta a cidade. Sonha?
E com espanto e horror vê a pista elevada se desmanchar. Torcer-se no ar como uma serpente, gelatinosa, e cai. Sacode a cabeça numa tentativa de fixar a atenção. Força a vista e percebe que o viaduto desabou. Carros caindo junto com a massa de concreto. Vermelho tinge o local. Eleva-se a fumaça.
Apavorado, Ricardo lança um olhar a sua volta e nota que nada foi visto pelos outros passageiros. A angústia o domina e pressente os riscos do desastre. Não podia crer no que vira. Ansioso para tornar ao Rio. Nadar era ridículo. Teve ímpeto de correr para a ponte de comando. Desiste. O piloto não mudaria a rota, pois de nada adiantaria. Paciência, ir a Niterói e pegar outra barca de volta, nada mais restava a fazer.
Na estação das barcas em Niterói, enquanto aguarda o retorno, olha os jornais pendurados numa banca. Numa tentativa de acalmar a ansiedade aproxima-se e curioso corre os títulos. Quase pula de susto, alarmado. Na manchete da “Última Hora” lê-se:

PONTE PARA NITEROI – Decisão hoje no Ministério dos Transportes.


abril 04, 2015

O AUSENTE TORNA-SE PRESENTE


Talvez escreva
talvez pinte
não sei
talvez faça versos
A vida passa
Sonhando
desejando
amor
Passam as ilusões
perdidas ilusões
como um cantar burguês.


Noites
Noites
Vaguei
horas perdidas
em busca de um sonho
dourado
de cabelos desgrenhados.



Sentados num banco
vejo tudo vermelho
vermelho
neon vermelho
rosto também
sinto o coração
vermelho
e o mundo
vermelho
vermelho cor
vermelho sangue
cor de alguma coisa
vermelho.


Rosto intumescido
vermelho
peito a estourar
noite etílica
noite de esquecimento
e fujo.




Com cara gaiata
vive
de lamúrias
sem esperanças
Não é notado
por quem ama
é notado
por quem odeia
a vida tem de seguir.


Carcassa de velho
alma de moço
um ancião diz
uma jovem
finge entender
triste
ficar assim sozinho
sem rumo
desejando

dormir na praia.



janeiro 20, 2015

RECLAMAR DO QUÊ?



Um dia perdido


dois dias perdidos
três dias perdidos
fazem quatro dias perdidos



cinco dias perdidos
dão vontade de perder o sexto
e no sétimo o arrependimento de ter perdido sete dias


Assim o pequeno-deus cresceu e Deus descansou.



Fotos publicadas no O Globo, de 3 janeiro de 2015 - Sábado