maio 11, 2015

A PONTE


               A tarde transcorria normalmente, nada perturbando aquela letargia de um dia nublado e quente. Desde cedo a cidade estava coberta por uma neblina mortiça. O dia cinza altera um pouco a mente e os nervos. Ficamos como que anestesiados, lânguidos e ansiosos por uma fuga. Neste estado de espírito Ricardo caminha para a Praça XV. Divagava entre as pilastras do elevado e distraidamente olha para a base das pistas. O concreto impressiona, e cabreiro questiona a sua segurança.
Indeciso atravessa a pista em direção à estação das Barcas. Olha os letreiros: Niterói, Paquetá, Governador.
- Governador, não! Já não há barcas para lá. A ponte terminou com as barcas!
Sonolento, com uma preguiça enorme dirige-se ao guichê e paga uma passagem para Niterói. Talvez a brisa marinha melhorasse o seu ânimo. Entra no saguão, cheio. Pessoas alheias, suadas, e senhores circunspectos. Militares de todas as armas. Moças risonhas e as contempla para se distrair, fazendo o jogo das adivinhações. Crianças querendo pipoca, homens encarando mulheres solitárias, ansiosas esperando o tempo passar, enfim uma multidão sem comunicação.
Bulício. Chega a barca das grandes e novas. Os alto-falantes gritam a chamada. Esprimidos como uma boiada junto à cerca, passam milhares de passageiros como que perseguidos por um monstro marinho, doidos para fugirem. O mar balança suavemente a “Vital Brazil”, que carinhosamente se entrechoca com o cais. Os marinheiros pretendem segurá-la com grossas cordas. E a barca apita risonha.
Abrem-se as porteiras e aos trambolhões Ricardo é arrastado. Sente-se como num grande rio, uma enxurrada que desce vertiginosamente a rampa. Jogado na barca, célere sobe as escadas para pegar um lugar na proa, ao vento. A metamorfose, e excitação da travessia. Ansioso, participa da movimentação da desatracação. Apito longo. Um uivo soturno.
Lá vai ela se afastando, girando sobre si mesma, virando de lado, mudando de rumo. Agora estão de frente para Niterói, afrontando a brisa. Altaneiro. O barulho dos motores, o som das marolas, o pio dos pássaros que passam sobrevoando a embarcação, enchem o ar de estranha sinfonia. Um avião se aproxima e, maravilhado, observa seu pouso de garça no Santos Dumont. Nota que cada vez mais se afastam do Rio, e vai para amurada lateral. Olha para trás, para contemplar a cidade que se distancia, os edifícios, os Ministérios, sob a neblina de mormaço que acalenta a cidade. Sonha?
E com espanto e horror vê a pista elevada se desmanchar. Torcer-se no ar como uma serpente, gelatinosa, e cai. Sacode a cabeça numa tentativa de fixar a atenção. Força a vista e percebe que o viaduto desabou. Carros caindo junto com a massa de concreto. Vermelho tinge o local. Eleva-se a fumaça.
Apavorado, Ricardo lança um olhar a sua volta e nota que nada foi visto pelos outros passageiros. A angústia o domina e pressente os riscos do desastre. Não podia crer no que vira. Ansioso para tornar ao Rio. Nadar era ridículo. Teve ímpeto de correr para a ponte de comando. Desiste. O piloto não mudaria a rota, pois de nada adiantaria. Paciência, ir a Niterói e pegar outra barca de volta, nada mais restava a fazer.
Na estação das barcas em Niterói, enquanto aguarda o retorno, olha os jornais pendurados numa banca. Numa tentativa de acalmar a ansiedade aproxima-se e curioso corre os títulos. Quase pula de susto, alarmado. Na manchete da “Última Hora” lê-se:

PONTE PARA NITEROI – Decisão hoje no Ministério dos Transportes.


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