A
tarde transcorria normalmente, nada perturbando aquela letargia de um dia
nublado e quente. Desde cedo a cidade estava coberta por uma neblina mortiça. O
dia cinza altera um pouco a mente e os nervos. Ficamos como que anestesiados, lânguidos
e ansiosos por uma fuga. Neste estado de espírito Ricardo caminha para a Praça
XV. Divagava entre as pilastras do elevado e distraidamente olha para a base das
pistas. O concreto impressiona, e cabreiro questiona a sua segurança.
Indeciso
atravessa a pista em direção à estação das Barcas. Olha os letreiros: Niterói, Paquetá,
Governador.
- Governador,
não! Já não há barcas para lá. A ponte terminou com as barcas!
Sonolento, com
uma preguiça enorme dirige-se ao guichê e paga uma passagem para Niterói.
Talvez a brisa marinha melhorasse o seu ânimo. Entra no saguão, cheio. Pessoas
alheias, suadas, e senhores circunspectos. Militares de todas as armas. Moças
risonhas e as contempla para se distrair, fazendo o jogo das adivinhações. Crianças
querendo pipoca, homens encarando mulheres solitárias, ansiosas esperando o
tempo passar, enfim uma multidão sem comunicação.
Bulício. Chega
a barca das grandes e novas. Os alto-falantes gritam a chamada. Esprimidos como
uma boiada junto à cerca, passam milhares de passageiros como que perseguidos
por um monstro marinho, doidos para fugirem. O mar balança suavemente a “Vital
Brazil”, que carinhosamente se entrechoca com o cais. Os marinheiros pretendem segurá-la
com grossas cordas. E a barca apita risonha.
Abrem-se as
porteiras e aos trambolhões Ricardo é arrastado. Sente-se como num grande rio,
uma enxurrada que desce vertiginosamente a rampa. Jogado na barca, célere sobe
as escadas para pegar um lugar na proa, ao vento. A metamorfose, e excitação da
travessia. Ansioso, participa da movimentação da desatracação. Apito longo. Um
uivo soturno.
Lá vai ela se
afastando, girando sobre si mesma, virando de lado, mudando de rumo. Agora
estão de frente para Niterói, afrontando a brisa. Altaneiro. O barulho dos motores,
o som das marolas, o pio dos pássaros que passam sobrevoando a embarcação,
enchem o ar de estranha sinfonia. Um avião se aproxima e, maravilhado, observa
seu pouso de garça no Santos Dumont. Nota que cada vez mais se afastam do Rio,
e vai para amurada lateral. Olha para trás, para contemplar a cidade que se
distancia, os edifícios, os Ministérios, sob a neblina de mormaço que acalenta
a cidade. Sonha?
E com espanto
e horror vê a pista elevada se desmanchar. Torcer-se no ar como uma serpente,
gelatinosa, e cai. Sacode a cabeça numa tentativa de fixar a atenção. Força a
vista e percebe que o viaduto desabou. Carros caindo junto com a massa de
concreto. Vermelho tinge o local. Eleva-se a fumaça.
Apavorado,
Ricardo lança um olhar a sua volta e nota que nada foi visto pelos outros
passageiros. A angústia o domina e pressente os riscos do desastre. Não podia
crer no que vira. Ansioso para tornar ao Rio. Nadar era ridículo. Teve ímpeto
de correr para a ponte de comando. Desiste. O piloto não mudaria a rota, pois
de nada adiantaria. Paciência, ir a Niterói e pegar outra barca de volta, nada
mais restava a fazer.
Na estação das
barcas em Niterói, enquanto aguarda o retorno, olha os jornais pendurados numa
banca. Numa tentativa de acalmar a ansiedade aproxima-se e curioso corre os
títulos. Quase pula de susto, alarmado. Na manchete da “Última Hora” lê-se:
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