novembro 16, 2014

PERSÉPOLIS EM AÇÃO



Robert Hero Mcoe desfilava ostensivamente com seu cupê “Alpins – Renault”, última série, cor de sangue, pelas floridas “croisettes” de Nice. O ronco do motor mais parecia um ronronar de felino à cata da fêmea indefesa. Finalmente estacionou o carro. Displicente deu uns passos, olhando a sua volta, em busca da presa desejada. Bela figura, vigorosa musculatura, bem distribuída em seus um metro e noventa de altura. Vestia-se esportivamente, mas com elegância.
O alvo de sua atenção era uma jovem sensacional num sumaríssimo “topless. Os longos cabelos esvoaçavam deixando a mostra o corpo escultural. Ela caminhava pela praia indiferente à admiração que causava. Antes de atravessar a larga avenida, colocou um mini corpete vermelho. Robert acompanhava deliciado seus movimentos. E, de repente, defrontaram-se.
Os dois saltaram do carro rindo. De mãos dadas foram até a beira do abismo. Lá embaixo as ondas batiam com toda a fúria contra o penhasco. A espuma branca constratava com o azul do mar.
- Que beleza! Vamos ver o pôr do sol?
- Estou com frio, voltemos sim? – Convidou Suzanne.
- Está nervosa?
- O que tenho para dizer é muito importante.
- Não pode esperar?
- Não, é muito urgente.
- Está bem, ouvirei você agora, mas sob “protesto” – e brincando, enlaçou a companheira, caminhando até o automóvel. Carinhoso beijava seus cabelos louros. Os dois pareciam felizes e enamorados. Era o que desejavam aparentar se porventura houvesse alguém pelas redondezas. Haviam tomado todas as medidas de segurança. Ficariam realmente assombrados se ao menos pudessem supor que suas mentes estariam sendo devassadas, e à distância.
- Robert, tenho recado para você – falava a jovem mordiscando a orelha dele.
-Para quê? – Perguntou Mcoe, abraçado amorosamente, numa tentativa de camuflar o verdadeiro sentido da conversa.
- Para ir a uma festa.
- Mais festa?! Será que a CIA não muda? É melhor ficar por aqui – Protestou entre beijos e carinhos.
- Os planos de operação, o Convite Imperial...


- Convite Imperial?! - Cortou ele, espantadíssimo.
- Sim, do Xá da Pérsia, meu caro.
- Bem, as coisas estão melhorando. - Pilheriou. - Um convite Imperial muda de figura, me envaidece. Sou todo ouvidos.
Robert Hero Mcoe, homem de atitudes imprevisíveis, iniciava uma nova aventura para a CIA. Esta era uma das facetas da sua múltipla personalidade. Como Agente Especial da principal organização americana de Inteligência, era sempre destacado para as mais difíceis e perigosas missões.
As ordens eram precisas: “Teerã – proteger vida presidente Rússia – Hospedar-se Palácio Princesa Fawsi Adib. Ela fornecerá dados restantes”.

                                                                     
                                                     FIM



setembro 18, 2014

PERSÉPOLIS



CAPÍTULO I

     Ei, pessoal, Ardinov está morto!
               A notícia explodiu como uma verdadeira bomba na Sala de Imprensa do Teatro General San Martin.
               Como? Repita!
               - O que aconteceu?
               - Quem morreu?
- Silêncio! – bradou alguém – Vamos, acalmem-se, com esta barulheira dos infernos ninguém ouvirá nada.
Todos se calaram quando ouviram a voz grave de Morales, o mais antigo dos correspondentes estrangeiros em Buenos Aires.
Juan se viu o centro das atenções. Chegara com uma notícia importante e agora fazia um pouco de suspense.
- Bem, eu... e olhava para os mais próximos provocando curiosidade – eu vim do Hotel Crillon. Estive lá bem cedo para entrevistar com Ardinov. Consegui furar o cerco da vigilância soviética. O corredor estava vazio àquela hora. Era muito cedo ainda, os hóspedes dormiam. Pude chegar até seu apartamento sem problemas. Bati na porta com todo cuidado. Ninguém atendia. Sem hesitar nem mais um momento, forcei a porta, antes que surgisse um empregado do hotel ou agente russo, não é? Não encontrei nenhuma resistência, ela cedeu facilmente, e...
- Ora, deixe de fazer romance – interrompeu um.
- Conta logo o que sabe, Juan – Ordenou Morales, impondo novamente sua autoridade de decano, quando ia iniciar a balbúrdia – Vamos aos fatos!
- Calma, contarei tudo direitinho – e procurando valorizar sua ação, continuou solene: - Entrei no apartamento. A sala estava vazia. Passei para o quarto. Vi Ardinov deitado na cama. Parecia dormir. Chamei por seu nome. Não acordava. Não fazia nenhum movimento. Eu precisava da entrevista com ele. Cheguei mais perto, olhei bem seu rosto e estranhei a palidez. Toquei seu corpo. Estava gelado. Levei o maior susto da minha vida. Ele estava morto. Sai dali correndo...

Os jornalistas internacionais e portenhos sofriam de uma terrível dúvida. Permanecer no Teatro General San Martin ou ir ao Hotel Crillon?
No auge da confusão os alto-falantes anunciavam o inicio da esperada disputa final entre o Mestre russo Tigran Petrossian e o americano Robert Fisher.
Na véspera, Ardinov jogara sob forte emoção. O adversário aproveitava suas indecisões para jogadas afoitas e decisivas. Na segunda partida já notava-se o descontrole do russo. Suava muito, e a cada instante enxugava as mãos e o rosto. O nervosismo aumentava. A assistência acompanhava obcecada a disputa. Ardinov comete uma falha incompreensível. O americano aproveita para tomar-lhe o peão central. Um sussurro percorreu a plateia, se transformando num vozerio incontrolável.
- Incrível, como pode ter feito isto?
- Ele está descontrolado.
- Deve estar doente.
- Que nada, o americano é melhor, e ele está com medo de perder.
- Ele já perdeu. Esta jogada foi o fim dele.
Preocupados com a partida, não repararam na presença de estranho “guru” indiano, que assistia impassível a partida, e muito menos o sorriso esboçado em seu rosto no momento da infeliz jogada do russo.
- Ardinov, o que achou de seu adversário? Vai pedir revanche?
- Senhores, por favor, estou fadigado. Amanhã darei uma entrevista coletiva.
Os mais persistentes seguiram–no até o Hotel. Todas as tentativas foram infrutíferas. Despediram-se na porta do elevador e viram quando subiu para seus aposentos.
Ardinov estava exausto. O semblante demostrava apreensão e temor. Deitou, procurando relaxar o corpo e espírito. Mal se acomodara no leito, teve um sobressalto. Visita inesperada surgia à sua frente, uma figura insólita. Não conseguia mover-se na cama. O estranho o fitava intensamente.

Agora o público aplaudia de pé a vitória de Fisher. A impetuosidade do americano vencera a seriedade de Petrossian. Os jornalistas mal se continham. Terminada a partida correram para a Sala de Imprensa. As edições extras dos jornais já estavam chegando. Ávidos de informações, disputavam os exemplares distribuídos. As manchetes estampavam: “MORRE CAMPEÃO RUSSO”.


agosto 27, 2014

Sylvia


Luigi rebelou-se. Resolveu esquecer Sylvia. Discou um número qualquer para convidar uma garota para sair. Na terceira chamada atenderam, e ele buscando uma voz tranquila e envolvente perguntou:
-Olá, quem fala?
- ...


Emudeceu. Era Sylvia quem respondia. Não conseguia tirar o fone do ouvido e nem falar. Espanto total. Angustiado, desligou o aparelho. Doutro lado a voz indagava inquietamente quem era. Saiu do apartamento em busca de liberdade. Andou durante muito tempo sem conseguir concatenar as ideias. Perdera o rumo dos passos. Olhou à sua volta para se localizar. Seria o local a que estava habituado a encontrar Sylvia? Outro engano seria um desastre.
O frescor do anoitecer melhorou seu ânimo. Uma fome voraz despertou sua atenção. Lembrou-se de um antigo restaurante especializado em massas, perto dali. Embarafustou por uma das ruelas e pelo aroma ia se orientando. Entrou no “Albergo Marietta”, tradicional trattoria com vinhos e queijos pendurados pelas paredes e teto, linguiças e outros petiscos à mostra. A boca encheu-se d’agua, aguçando-lhe o apetite.
A gentil garçonete indicou uma mesa de canto. Sentou-se satisfeito da vida. Logo colocaram à mesa um jarro de vinho, pão fresco e tira-gostos. Enquanto a moça arrumava os pratos pediu uma suculenta lasanha verde ao molho branco.
Distraído com a iguaria que pedira, nem notou os olhares de uma jovem. Só no meio da refeição é que percebeu a presença dela. Bem alimentado e começando a sentir os efeitos do vinho, afastados os tormentos, começou a interessar-se por ela. Os olhos lindos, cabelos castanhos, compridos, emolduravam o rosto gracioso.  Beirava os vinte anos.
- Seria interessante um namorico, para distrair – pensou Luigi já bolando um plano de ataque.
Um grupo de rapazes a rodeavam alegres. Luigi levantou e ousadamente encaminhou-se para a outra mesa. Admirado viu que a moça virava-se frontalmente para ele, como para o receber, evitando assim uma situação constrangedora perante seus amigos.
Na manhã seguinte acordou com uma preguiça enorme. Ainda guardava a lembrança da noitada alegre e descompromissada. Realmente Angélica era encantadora e o fez esquecer todas as agruras que havia passado nos últimos dias. Namorara inocentemente como há muito tempo não fazia. E sentiu um pequeno remorso pela sua leviandade. Sabia que não poderia levar avante aquele namoro. Resolveria o caso, sem magoá-la, antes que se envolvessem mais.
E de repente, em meio aos seus pensamentos gritou: - Santo Deus, esqueci-me de Sylvia. Tenho de ir à estação!
Levantou feito um louco, tropeçando nos móveis e roupas espalhadas pelo chão.



- Oh! Luigi, pensei que não viesse, o que aconteceu com você?
- Desculpe-me Sylvia, mas é que fui dormir tarde e perdi a hora.
- Pela sua cara foi uma farra e tanto.
- Não brigue comigo agora, estou tão feliz!
- Nota-se!
- Você nem pode adivinhar o que me aconteceu. Encontrei ontem uma garota celestial. Verdadeiro milagre!
- Como um milagre?
Luigi esfriou com a pergunta. Ia responder quando tocou o primeiro sinal. As pessoas à volta movimentavam-se para tomar o trem.
O silvo longo e estridente foi o último aviso. A locomotiva preparava-se para a partida. Os dois se olhavam silenciosos. Luigi mal podia conter o riso de felicidade. Sylvia procurava analisar o estranho comportamento do amigo tomada por uma expectativa enorme, fora do comum.
Um longo abraço de despedida e Luigi a beijou delicadamente no rosto.
- Minha tristeza deve ser por causa da partida – pensou Sylvia – é isto, só pode ser isto, não há outra razão para me sentir assim...
Partia para Veneza em busca de tranquilidade. A esperança de novos rumos para sua vida, toldada por um sentimento até então desconhecido.
O tempo passou, os trilhos correndo aos seus pés, o barulho monótono do trem, adormeceu.
Despertou da sonolência com o toque no braço, era o camareiro alertando para a hora do almoço. E vendo que a vida continuava levantou:  

- Luigi, Roma, tristezas, ficaram para trás, agora é tratar de me divertir e aproveitar as férias. Ciao.


agosto 17, 2014

AFFAIRE

Os “flashes” espoucavam. Nada adiantaram as ordens do Inspetor Genet. Os repórteres invadiam a mansão por todos os lados. O crime ocorrido era um ótimo prato para os jornais. Aparentemente envolvia grandes figuras da sociedade. A vítima era pessoa de confiança de dois artistas do cinema francês mundialmente conhecidos que estavam sempre nas manchetes. As revistas especializadas traziam comentários e reportagens sobre a vida e o cotidiano de Claude e Denise Fontain. Secretário do casal, às vezes, protetor, Antonin Marov era bem relacionado no meio artístico e social. Jovem ainda, possuía uma ótima compleição física, campeão de atletismo em sua terra natal. Natural da Romênia, imigrou para a França, conseguindo logo emprego na indústria cinematográfica. Devido a sua destreza e belo porte, de figurante passou a “double” de Claude Fontain nas cenas de perigo e ação. Em consequência da grande atividade do ator, foram morar juntos, o que prejudicou a carreira artística de Marov, que se dedicou inteiramente a protegê-lo e a prestar-lhe pequenos serviços. Quando Claude casou-se com Denise, Marov os acompanhou para a nova residência e passou também a prestar assistência a Denise. Pouco tempo depois começaram a surgir mexericos nas colunas sociais dos jornais. Enquanto Claude viajava para os Estados Unidos ou Inglaterra, Marov fazia companhia a Denise, provocando comentários maldosos. Aparentemente, não abalava a amizade entre os três. Apareciam juntos nas boates e casas noturnas da moda para desfazer os boatos. Eram fotografados sempre sorrindo e brincando. Nada parecia atrapalhar aquela felicidade. Ficavam apenas os rumores como pesadas nuvens a trovejar, ameaçando descarregar seus raios.
E agora a tragédia acontecera. Antonin Marov, conhecido como Toni, tombara com dois tiros no peito. Um deles foi mortal, atingindo o coração e alojando-se nos pulmões, enquanto o outro atravessou a caixa torácica, saindo pelas costas. A arma de pequeno calibre, de uso pessoal, para tumultuar a investigação, pertencia ao morto. Encontrada perto dele e ao alcance de sua mão. A queimadura no tecido da roupa e na pele demonstrava que os disparos haviam sido feitos a curta distância. À primeira vista poderia dar impressão de suicídio. Mas o mordomo garantia ter visto uma mulher sair velozmente de carro. Não podia informar a placa, mas deu algumas informações à polícia que facilitariam a busca.
O primeiro emaranhado de dados perturbava um pouco o diligente Inspetor da polícia francesa, Sr. Genet, olhando a movimentação dos repórteres. Ouvindo um comentário ou outro, tentava deslindar o fio da meada.
Os jornalistas corriam para as redações, sequiosos de divulgar as notícias. As manchetes do dia seguinte seriam sem dúvida as mais desencontradas. Mil suspeitos, figurões envolvidos, maledicências e muitas fotografias do local do crime, da vítima, de Claude e Denise Fontain. Os jornais venderiam muito e salvariam algumas tiragens. Realmente, era uma notícia para primeira página.
A calma voltou à casa dos Fontain. O Inspetor Genet fez uma última vistoria, pegou suas anotações, ditou as ordens finais de proteção ao local e, tão logo retiraram o corpo, colocou seu pesado casaco, ajeitou o chapéu na cabeça, deu um aceno para os guardas e saiu, silenciosamente.




agosto 07, 2014

A INTRIGA


Numa praia mediterrânea, deserta àquela hora da tarde, cinco pessoas descansavam após farto almoço, despediam-se de sua terra de origem. Os turistas argentinos passearam a manhã toda. Na Espanha há dois meses, a percorreram de ponta a ponta. Subiram montanhas, visitaram pequenas aldeias com suas igrejas rústicas e centenárias, os majestosos castelos que conservavam ainda os tesouros da época áurea do grande império espanhol. Andaram pelos vinhedos, colhendo e saboreando seus frutos. Dançaram com os aldeões ao som das canções folclóricas. A claridade do sol toldava a visão do céu sem nuvens, de tonalidade prata de tão límpido se assustaram com o estrondo. Dois aviões se chocaram em pleno ar. Amedrontados com aquela barulheira infernal, sem atinarem bem com as causas, correram buscando abrigo. Mal conseguiram se esconder atrás dos rochedos ouviram a explosão. Um clarão abrasador tomou todo o espaço. Viram um avião todo espatifado caindo em parafuso no mar, e o outro, bem maior, conseguir planar numa tentativa de queda controlada. Notaram alguns paraquedas ao longe. Entreolhavam-se tremendo de susto e medo.
Com o coração aos pulos correram para o carro e tomaram a estrada que levava a Palomares. Nem conversavam, dirigindo com cuidado.
- Atenção, Juan! – Ao grito do pai ele freou abruptamente.
Todos olharam, para a caixa negra no meio do caminho. Não se mexiam colados ao assento. Uma voz lamuriosa de mulher soou: - Mario, por favor, vamos embora.
Respirando profundamente, o homem comentou: - Não dá passagem pelos lados. Vejam as tiras do paraquedas, podem emaranhar-se nas rodas. Vou lá...
- Não, papai, deixa que eu vou – O rapaz o impede de sair. – Pode ser perigoso, eu terei mais força e...
- Está bem, meu filho, mas tenha muito cuidado.
O rapaz desce do automóvel e caminha com bastante cautela na direção do objeto estranho. Os outros assistem com tensão. Ele abaixa e mexe na caixa, limpando a tampa. Perceberam que lê algo com atenção.
- Ande com isto, filho – Grita apreensivo o pai.
O rapaz levanta e solta os cabos do paraquedas. Volta sobraçando a caixa. Chegando-se à janela mostra: - Olha, papai, as inscrições são em inglês, deve ser dos aviões.
Uma palavra salta aos olhos: “Secret”.
Juan olha em torno e não vê viv’ alma. Um deserto ensolarado se descortina. Nenhuma brisa, nem um pássaro voando. No interior do carro confabulam. Ele, resoluto, resolve entrar com a caixa.
- Papai, é melhor nós levarmos, pode ser alguma coisa importante, e não vejo nada, ninguém por estas paragens.
- Está bem, meu filho, vamos logo com isso, no hotel resolvemos o que fazer.


Helmut mal tivera tempo de se esconder atrás de uma pilastra quando começou o foguetório. As balas zumbiam por todos os lados. Parecia que as balas se destinavam a um freguês. Viu quando o rapaz saiu correndo. Aconteceu tão rápido que não dava para perceber as coisas direito. Num instante, assim como começou, tudo estava silencioso. Uns tinham fugido e outros estavam deitados no chão tremendo de medo. O gerente e os copeiros levantaram um pouco a cabeça olhando por cima do grande balcão. O ar impregnado de cheiro de pólvora e a fumaça dificultava a visão. Helmut lentamente se mexeu e vendo que as coisas estavam calmas, gritou:
- Podem levantar, acabaram os tiros!
Enquanto os outros se ajeitavam e começavam a se movimentar, Helmut foi até a mesa do freguês fugitivo e cautelosamente apanhou o envelope. Apalpou e percebeu que eram apenas papeis. Achou melhor guardá-lo antes que alguém notasse. Aproveitando a confusão formada e o falatório foi até o seu armário guardando o achado junto às suas roupas.
- Sempre se pode tirar algum proveito de coisas largadas num bar – pensava, avaliando o seu valor pela feroz perseguição e fuga do freguês.
Algum tempo depois chegou a policia. Curiosos se postavam em frente ao hotel. Os garçons pararam a arrumação para que a polícia pudesse investigar. Mas o que achariam naquela bálburdia? Cadeiras quebradas, mesas viradas, cacos de garrafas e copos para todos os lados. A diligência policial foi logo tumultuada pela chegada da imprensa. A luz dos flashes irritava os guardas. Chegou um caminhão com militares isolando o local e evacuando os intrusos e repórteres.


Atrás da banca de jornal Ricardo observa a saída do edifício. Esperava Matilde. Constataria primeiro se ela não é seguida, ou se haviam carros suspeitos por perto. Tinha certeza absoluta que ela e Mara estavam envolvidas na trama. Quinze minutos após Matilde aparece, olha a sua volta, gesto de desapontamento, caminha. Ricardo a segue uns tempos. Aproxima cortando os passos dela.
- Oh, Ricardo, que susto!
-Vi quando você saiu e vim atrás.
No quarto luxuosamente decorado abraçam -se e rolam até a cama, as roupas jogadas no chão.
- Deixa eu botar a bolsa na mesinha – Interrompe Matilde.
Ricardo senta na cama enquanto ela se vira. Suspira: “Que belo corpo ela tem!”
Deita, e sonha com o que farão. Assusta-se, Matilde de pé, apontando uma pequena arma para ele.
- Sou burro mesmo, não tenho jeito – pragueja.
- Onde está Mara? – Inquire ela com seriedade.
- Mara? Não sei quem é!
- Corta essa, vamos logo, o que é que você fez com ela? Ouvi noticiário na TV dizendo ter havido um tiroteio. Você não estava nessa?
- Não. Passei a tarde toda numa sauna.
- E o envelope?
- Oh, não, até você!
Ricardo não contém o riso. O destino faz coisas incríveis. Coloca as pessoas nas mais estranhas situações. Dois seres se encontram, brigam, amam, e depois a vida continua como se nada houvera? Parece a Ricardo que ela lera seus pensamentos e baixa os olhos. Pressente o movimento dela engatilhando a arma. Ele age rapidamente e cruel desfere violento golpe ao pé do ouvido. Um gemido seco e Matilde amolece. Contempla o corpo que amara a pouco. Desmaiada, e era bela assim mesmo. Com jeito a coloca na cama. Calmamente cobre seu corpo com lençol. Arruma o quarto de forma a não dar má impressão se alguém entrasse inesperadamente. Dá uma última olhada em tudo e sai de fininho. Não queria ser visto de maneira nenhuma. Hora de pouco movimento, e o elevador oculto por uma cortina, colocada justamente para encobrir os amantes. Já na rua inspira fundo, soltando o ar lentamente, numa tentativa de extravasar neste sopro toda a tensão.

- E o envelope?


                                                      flavio cerqueira

julho 22, 2014

GOLIAS vs. DAVI

    
      Num lindo amanhecer de inverno, a SURPRESA. Ao abrir a janela, vejo o painel colorido da paisagem carioca pregado na lateral do contêiner do METRO.

     Seria uma trégua?

Davi vs Golias Caravaggio


                     E os painéis se espalharam cobrindo as trilhas (passagens?) no labirinto das obras.




        Sonho ou pesadelo?
        Logo implantaram um novo contêiner encobrindo a paisagem.
        Mais ruídos e fumaças. Compressor para alimentar as obras e perfurações!


       O perverso GOLIAS que rumina das 8 às 20 horas, ou mais, alternando a altura do volume dos roncos. E exala pela narina superior (chaminé?) sutil vapor de odor nauseante.

O término das obras do METRO estava previsto para DEZEMBRO de 2013. 
Sonho ou pesadelo?



          A trégua, rápida e ilusória, com disfarce de painéis coloridos com paisagens do Rio, encobria os preparativos para o barulho e tormento maior (DOR)





        “Todas as mágoas são suportáveis se a colocamos em uma estória (story) ou contamos uma estória sobre elas” Isak Dinesen. A Condição Humana, Hannah Arendt

 Olha o buraco Marcelo!!!


maio 15, 2014

“AFFAIRE”

Capítulo I

     A sirene de uma veloz ambulância cortava os ares. Os passantes, já atordoados por tanto barulho, mal se viravam para uma rápida olhadela. Um veículo novo, recém-saído da fábrica, tentava varar o tráfego congestionado. Àquela hora da tarde o trânsito era insuportável, transformando num verdadeiro inferno as avenidas. Uma multidão apressada largava seus empregos e todos queriam ir ao mesmo tempo para casa. Os coletivos atulhavam-se de gente. As buzinas ecoavam estridentes. Os guardas apitavam ininterruptamente, gesticulando nervosamente numa vã tentativa de melhorar a circulação dos carros. Viam-se rostos contraídos, outros apáticos, e alguns até sorridentes. Talvez a esperança de um programa noturno alentasse o espírito destes.


     A noite caía lentamente. As luzes começavam a acender. Os luminosos piscavam feéricos. Era ainda intenso o vai-e-vem de gentes nas movimentadas calçadas e boulevards parisienses.
  Do avarandado de seu apartamento, Edward Machon olhava o Sena que deslizava manso, antegozava a felicidade que usufruiria dali a instantes. Cantarolava “Hymne à l’amour. Às sete horas em ponto encontraria com Elizabeth para um romântico jantar a dois. Ele não completara ainda quarenta anos, gozava de boa saúde e conservava ágil o corpo atlético. Assim preparado fisicamente podia se entregar aos prazeres mundanos que a grande cidade lhe propiciava. O seu cargo no Ministério Público lhe permitia um padrão de vida elevado. Edward era um “bon vivant” E amava  Paris, suas mulheres, a existência trepidante.
     Atraído pela estridência de uma sirene, viu quando a ambulância passava célere lá na avenida. Teve um mau presságio. Um arrepio lhe correu a espinha. Tentando isolar os ruídos vindos de fora, fechou a janela de vidro. No reflexo da vidraça viu seu rosto estampado. Assustou-se.
      A campainha soou. O coração disparou com o susto do inesperado toque. Visitas àquela hora? Esforçou-se por manter-se imóvel, procurou não fazer mais nenhum ruído. Tocaram de novo insistentemente.
       Aborrecido, foi até a porta. Mal teve tempo de abrí-la.
       - Oh, Ed, temia não encontrá-lo em casa. Deixe-me entrar.
       - Claro... mas o que houve? Você está lívida, com o rosto tão branco...
       - Edward, aconteceu uma tragédia..



       A Place Vendôme fervilhava. No meio da multidão anônima uma jovem afligia-se. Anoitecia e as luzes brilhavam. As vitrines iluminadas ostentavam sedutoras mercadorias. Algumas lojas começavam os preparativos para fechar. Os risos, as conversas alegres e os anúncios luminosos não animavam Elizabeth. Estava ali há algum tempo.
    - Vinte minutos! Ele está atrasado vinte minutos – e não acreditava que aquilo pudesse estar acontecendo, ele não pode fazer isto comigo impunemente. Afinal, sou bem bonita e vários homens já mexeram comigo. Não posso suportar esta espera.
           Ia atravessar a rua quando sentiu um puxão no braço. Virou-se para protestar, mas deu com o rosto amável de Edward.
          - Desculpe-me, Elizabeth. Esperou muito?
          - Sim, Edward. Já tinha desistido.
           Os dois tomaram um taxi novamente em paz e amorosos. No caminho Edward conversava tentando afastar do pensamento a visita que recebera. Estragou todo o seu programa. Agora não ia poder convidar Elizabeth para subir ao seu apartamento.





CAPITULO II

     A ambulância subiu a rampa de acesso na direção da porta da bela mansão. Uma residência confortável, construída em estilo sóbrio. Era cercada de jardins e árvores frondosas, como todas as casas daquele bairro sofisticado de Paris. O chofer assobiou de admiração. O enfermeiro logo saltou pegando a maca, enquanto o médico se preparava. Um homem vestido de libré veio atendê-los.
    Ao entrarem numa porta no fundo do corredor logo depararam com um corpo estendido no chão. O médico ajoelhou-se junto ao homem. O exame foi breve: apenas tomou o pulso e auscultou o pretenso paciente. Balançou a cabeça. Levantou a camisa que encobria o peito da vitima: orifícios negros apareceram, pequenos, mas mortais. Dois pontos na carne robusta.
       - Doutor, há esperança? – perguntou o mordomo.
        - Não!

CAPÍTULO III
      
Os “flashes” espoucavam. Nada adiantaram as ordens do Inspetor Genet. Os repórteres invadiam a mansão por todos os lados. O crime ocorrido era um ótimo prato para os jornais. Aparentemente envolvia grandes figuras da sociedade. A vítima era pessoa de confiança de dois artistas do cinema francês.

No dia seguinte os jornais estampavam em manchetes garrafais: “ESPOSA DE EX-MINISTRO ENVOLVIDA NO CRIME DA MANSÃO DOS FONTAIN”.



abril 24, 2014

O RETORNO DE BRONXOR


  Da colina Joe Bronxor divisa a sede do Rancho no fundo do vale. Ali passara a infância e juventude. Retorna agora homem adulto.
Aperta as esporas e o cavalo empina. Célere, desce o declive que leva até o casarão. Rever a mãe, pai e irmãos. A vida nômade não permitia nem escrever cartas, sempre mudando de cidade e trabalho. No último trabalho chefiava vaqueiros para levar uma grande boiada até New Orleans. Ganhara um bom dinheiro pelo serviço, e agora pretende descansar por uns tempos.
 – Ah, como faz bem rever isto tudo, a paisagem, a fazenda, a família... – Joe não se sente mais um solitário, o lar está próximo.
Saíra bem cedo de Doge City, evitando assim mais confusões.
Chegava antes do almoço, sempre uma festa a primeira refeição do dia. De longe vê o filete de fumaça saindo da chaminé. A fome aperta o estomago, e sente a enorme saudade da comida caseira. Lembra dos quitutes preparados pela mãe. Galopa mais rápido ainda. O cavalo parece também querer participar da alegria de Joe. Aceita bem a pressão da nova corrida, e como um corpo só aproximam-se velozmente da sede da fazenda.
Aparecem os primeiros sinais de cultivo, hortas, e cercas protegendo os currais. Joe doido por uma vaquejada, domar um potro selvagem. Passar o dia pescando à beira do rio e depois comer uma boa carne, um churrasco suculento.
Lembra-se do pai. Ele nunca deixara faltar nada para a mulher e os filhos, e protegia com vigor a propriedade.
Lutou contra vizinhos gananciosos. Por fim passou a ser respeitado por todos, pela valentia e austeridade.
Junto a ele, Joe teria sempre o maior conforto, mas sua ânsia de conhecer outros lugares era enorme. Com o tempo surgiram as desilusões, e viu que o mundo era maior do que ele pensava. Julgou melhor se aquietar por uns tempos.
Ao atravessar a porteira, chora de contentamento. Pressente o bulício que irá causar a sua inesperada chegada. Pula da montaria e corre para o avarandado. Num ímpeto abre a porta.
 – Joe, meu filho, você voltou?
Bronxor agarra-se à mãe, que não contém as lágrimas. Rodopia com ela em seus braços até dar vazão a todos os sentimentos reprimidos há tanto tempo. Param abraçados no meio da sala, é então que Joe vê a moça parada junto à lareira.
– Não se lembra mais de mim, Joe?
            – Mary... é você, Mary? – larga sua mãe e encaminha-se para ela. – Como cresceu... não é mais a criança que larguei aqui.
– Não, meu filho, agora ela já é uma moça, e muito bonita!
– Tem toda a razão, mamãe – e carinhoso beija a testa de Mary, que cora.
            – Você também mudou muito Joe – retribui o beijo, com afeto.
– E o papai?
Cria-se uma situação constrangedora. Joe olha de uma para outra, sem entender o que acontecia.
            – Vamos, respondam... onde está? O que houve? Porque vocês estão calados? Falem alguma coisa.
– Seu pai morreu, Joe – fala por fim Mary – faz mais ou menos um mês que
ele...        
 – Não é possível, como foi?
– É uma estória longa, meu filho, que bom você ter voltado.

fevereiro 09, 2014

A REVOLTA DE BRONXOR


Capítulo I

Joe Bronxor mal teve tempo de se jogar para fora da estrada. Da curva, surgia em atropelada carreira a diligência da “Express”. Parecia estar desgovernada. Temerosamente ocultou-se atrás de uma pedra. No meio da poeirada, conseguiu distinguir o Cachoeiro. Era um homem rude e de barba ruiva, e não se vestia como os empregados da empresa. Não viu mais ninguém na boleia ou em seu interior.
Passado algum tempo retornou ao meio da estrada, vendo a diligência sumir ao longe. Ia na direção oposta a seu destino. Coçou a cabeça intrigado. Catou seus apetrechos que havia largado no chão, retomando a caminhada mais desalentado do que nunca. Estava exaustou de tanto andar. O seu cavalo quebrara uma das patas numa perigosa travessia de rio, e fora forçado a executá-lo. Ainda bem que estava perto de sua cidade natal, Dodge City.
Já andara alguns quilômetros, e quase desistia de prosseguir, quando divisou a distancia um cavalo abandonado. Correu feito um alucinado, exaurindo suas últimas forças, mas conseguiu alcançá-lo. Chegou a chorar quando reparou que o cavalo estava arreado. Mais parecia uma miragem.
- Um verdadeiro milagre! – Exultava de alegria.
Segurando firmemente as rédeas, com medo de tombar de tanto cansaço, assentou-se na sela. Mal ia apertar as esporas nos flancos do animal quando notou um par de botas aparecendo fora de uns arbustos. Encaminhou-se até lá, e horrorizado viu o homem estirado. Olhou para os lados. Estava tudo deserto a sua volta. Não havia mais ninguém por aquelas paragens. Apeou, aproximou-se do corpo. Seu susto foi enorme, não era um, eram dois homens, e mortos. Constatou serem os cocheiros da diligência que passara por ele há pouco.
Um deles estava de bruços, e os balaços nas costas eram evidentes. O outro que aparentava mais idade, também deve ter sido atacado por trás.
- “Com certeza o assassino estava de tocaia e atirou neles de surpresa” – concluiu Joe – Covardes.
Depois de examinar os dois infelizes cocheiros levantou-se e ficou algum tempo pensando o que fazer. Os três seriam muito peso para o cavalo.
- É melhor ir até a cidade avisar o xerife. Ele com certeza providenciará a remoção dos corpos.
O cansaço e mais o desgosto de presenciar aquela cena abalavam o espírito de Joe Bronxor. Sentia a exaustão dominar-lhe o corpo. Decidiu-se por partir logo.
- E os passageiros? Estaria vazia a diligência? Ou apenas transportava carga? Estas eram as perguntas que se faria enquanto montava novamente.
Ajeitou o chapelão, protegendo com suas abas largas os olhos dos raios solares, e cavalgou em direção à Dodge City. Queria chegar lá antes do anoitecer. Imensas pradarias se estendiam a sua frente.
Faz muito tempo que Joe fizera aquele percurso, só que em sentindo contrário. Era bem jovem e ansioso por conhecer outros lugares e gentes. Perambulara muito pelo vasto oeste. Trabalhara em diversas fazendas nos mais variados serviços. Vira cidades enormes. Lutou bastante para sobreviver e poder ter um lugar ao sol. Tornara-se um homem adulto, forte e experiente. Confiava em seu vigor e em sua pontaria.

Ao sentir a aproximação de sua querida Dodge acelerou o passo do cavalo. Estava eufórico. As primeiras casas despontavam ao longe.