Numa praia
mediterrânea, deserta àquela hora da tarde, cinco pessoas descansavam após
farto almoço, despediam-se de sua terra de origem. Os turistas argentinos passearam
a manhã toda. Na Espanha há dois meses, a percorreram de ponta a ponta. Subiram
montanhas, visitaram pequenas aldeias com suas igrejas rústicas e centenárias,
os majestosos castelos que conservavam ainda os tesouros da época áurea do
grande império espanhol. Andaram pelos vinhedos, colhendo e saboreando seus
frutos. Dançaram com os aldeões ao som das canções folclóricas. A claridade do
sol toldava a visão do céu sem nuvens, de tonalidade prata de tão límpido se assustaram com o estrondo. Dois aviões se chocaram em pleno ar. Amedrontados
com aquela barulheira infernal, sem atinarem bem com as causas, correram
buscando abrigo. Mal conseguiram se esconder atrás dos rochedos ouviram a
explosão. Um clarão abrasador tomou todo o espaço. Viram um avião todo
espatifado caindo em parafuso no mar, e o outro, bem maior, conseguir planar
numa tentativa de queda controlada. Notaram alguns paraquedas ao longe. Entreolhavam-se
tremendo de susto e medo.
Com o coração
aos pulos correram para o carro e tomaram a estrada que levava a Palomares. Nem
conversavam, dirigindo com cuidado.
- Atenção,
Juan! – Ao grito do pai ele freou abruptamente.
Todos olharam,
para a caixa negra no meio do caminho. Não se mexiam colados ao assento. Uma
voz lamuriosa de mulher soou: - Mario, por favor, vamos embora.
Respirando
profundamente, o homem comentou: - Não dá passagem pelos lados. Vejam as tiras
do paraquedas, podem emaranhar-se nas rodas. Vou lá...
- Não, papai, deixa que eu vou – O rapaz
o impede de sair. – Pode ser perigoso, eu terei mais força e...
- Está bem,
meu filho, mas tenha muito cuidado.
O rapaz desce
do automóvel e caminha com bastante cautela na direção do objeto estranho. Os
outros assistem com tensão. Ele abaixa e mexe na caixa, limpando a tampa.
Perceberam que lê algo com atenção.
- Ande com
isto, filho – Grita apreensivo o pai.
O rapaz
levanta e solta os cabos do paraquedas. Volta sobraçando a caixa. Chegando-se à
janela mostra: - Olha, papai, as inscrições são em inglês, deve ser dos aviões.
Uma palavra
salta aos olhos: “Secret”.
Juan olha em
torno e não vê viv’ alma. Um deserto ensolarado se descortina. Nenhuma brisa,
nem um pássaro voando. No interior do carro confabulam. Ele, resoluto, resolve
entrar com a caixa.
- Papai, é
melhor nós levarmos, pode ser alguma coisa importante, e não vejo nada, ninguém
por estas paragens.
- Está bem, meu
filho, vamos logo com isso, no hotel resolvemos o que fazer.
Helmut mal
tivera tempo de se esconder atrás de uma pilastra quando começou o foguetório.
As balas zumbiam por todos os lados. Parecia que as balas se destinavam a um freguês.
Viu quando o rapaz saiu correndo. Aconteceu tão rápido que não dava para
perceber as coisas direito. Num instante, assim como começou, tudo estava
silencioso. Uns tinham fugido e outros estavam deitados no chão tremendo de
medo. O gerente e os copeiros levantaram um pouco a cabeça olhando por cima do
grande balcão. O ar impregnado de cheiro de pólvora e a fumaça dificultava a
visão. Helmut lentamente se mexeu e vendo que as coisas estavam calmas, gritou:
- Podem
levantar, acabaram os tiros!
Enquanto os
outros se ajeitavam e começavam a se movimentar, Helmut foi até a mesa do
freguês fugitivo e cautelosamente apanhou o envelope. Apalpou e percebeu que
eram apenas papeis. Achou melhor guardá-lo antes que alguém notasse.
Aproveitando a confusão formada e o falatório foi até o seu armário guardando o
achado junto às suas roupas.
- Sempre se
pode tirar algum proveito de coisas largadas num bar – pensava, avaliando o seu
valor pela feroz perseguição e fuga do freguês.
Algum tempo
depois chegou a policia. Curiosos se postavam em frente ao hotel. Os garçons pararam
a arrumação para que a polícia pudesse investigar. Mas o que achariam naquela bálburdia?
Cadeiras quebradas, mesas viradas, cacos de garrafas e copos para todos os
lados. A diligência policial foi logo tumultuada pela chegada da imprensa. A
luz dos flashes irritava os guardas. Chegou um caminhão com militares isolando o
local e evacuando os intrusos e repórteres.
Atrás da banca
de jornal Ricardo observa a saída do edifício. Esperava Matilde. Constataria
primeiro se ela não é seguida, ou se haviam carros suspeitos por perto. Tinha
certeza absoluta que ela e Mara estavam envolvidas na trama. Quinze minutos
após Matilde aparece, olha a sua volta, gesto de desapontamento, caminha.
Ricardo a segue uns tempos. Aproxima cortando os passos dela.
- Oh, Ricardo,
que susto!
-Vi quando
você saiu e vim atrás.
No quarto
luxuosamente decorado abraçam -se e rolam até a cama, as roupas jogadas no
chão.
- Deixa eu
botar a bolsa na mesinha – Interrompe Matilde.
Ricardo senta
na cama enquanto ela se vira. Suspira: “Que belo corpo ela tem!”
Deita, e sonha
com o que farão. Assusta-se, Matilde de pé, apontando uma pequena arma para
ele.
- Sou burro
mesmo, não tenho jeito – pragueja.
- Onde está
Mara? – Inquire ela com seriedade.
- Mara? Não
sei quem é!
- Corta essa,
vamos logo, o que é que você fez com ela? Ouvi noticiário na TV dizendo ter
havido um tiroteio. Você não estava nessa?
- Não. Passei
a tarde toda numa sauna.
- E o
envelope?
- Oh, não, até
você!
Ricardo não contém
o riso. O destino faz coisas incríveis. Coloca as pessoas nas mais estranhas
situações. Dois seres se encontram, brigam, amam, e depois a vida continua como
se nada houvera? Parece a Ricardo que ela lera seus pensamentos e baixa os
olhos. Pressente o movimento dela engatilhando a arma. Ele age rapidamente e
cruel desfere violento golpe ao pé do ouvido. Um gemido seco e Matilde amolece.
Contempla o corpo que amara a pouco. Desmaiada, e era bela assim mesmo. Com
jeito a coloca na cama. Calmamente cobre seu corpo com lençol. Arruma o quarto
de forma a não dar má impressão se alguém entrasse inesperadamente. Dá uma
última olhada em tudo e sai de fininho. Não queria ser visto de maneira
nenhuma. Hora de pouco movimento, e o elevador oculto por uma cortina, colocada
justamente para encobrir os amantes. Já na rua inspira fundo, soltando o ar
lentamente, numa tentativa de extravasar neste sopro toda a tensão.
- E o
envelope?
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flavio cerqueira |